Friday, May 21, 2010

Causas, Política & Pensamentos Comuns

Sempre me fez confusão a importância que se dá à política em Portugal. Ele é debates, blogues, artigos de opinião, aberturas de telejornais, debates sobre debates, manchetes de jornais... A coisa, a meu ver, é de tal ordem que, a determinada altura, até o futebol começou a imitar o procedimento, provavelmente para ver se o desporto conseguia a mesma importância.

Quando estava no estrangeiro – por temporadas mais longas do que seis meses – ao observar a imprensa local, nem sempre a notícia estava apenas no político. Claro que, como jornalista, é evidente que consigo reconhecer que o que se faz e se diz em termos da gestão de um país é sempre o mais importante. Contudo, da forma absorvente e exaustiva como se “esmuiça” a política portuguesa, era quase como deitar os intervenientes num divã de psicanalista e perguntar-lhes que conflitos interiores tinham com os pais – provavelmente, políticos também.

Afastei-me desse mundo e, como jornalista, optei por me dedicar a temas menos focados nos media: arte, música, cultura, viagens, e outras coisas por aí fora. Evidentemente, enquanto jornalista alienada da massificação da informação política, fiquei à margem e, obviamente, desempregada. Mas, quando voltei de Espanha e comecei a tecer paralelos entre ambas as sociedades, apercebi-me de que tinha surgido um enorme interesse em política espanhola, e portanto, estava na altura de entender a política do meu país. Se, enquanto imigrante, quis saber quem é que geria os meus interesses, então melhor ainda entender o que se faz no meu país de tão atroz que me levou a querer sair sempre.

Por causalidades, nunca votei. Ou não estava recenseada como deve ser (obrigado, funcionárias da Junta de Freguesia, cujo trabalho fizeram tão bem que me deram os papéis TODOS para levar para casa, inclusivé os do RECENSEAMENTO que eram para ENTREGAR!), ou então estava fora do país em altura de eleições. Na verdade, votei nas presidenciais nas quais o Jorge Sampaio foi re-eleito, mas não votei nele... Isto para dizer que não votaria, jamais, de boa consciência, no Sócrates. Nem vou falar da pessoa, porque não o conheço – embora os mexericos do escritório dele se saibam em todo o lado. Aliás, nem me vou dar ao trabalho de falar nem de políticos nem de partidos. Vou só falar daquilo que sei, oiço, vejo e percebo, enquanto cidadã.

Vejo muita gente a chegar ao limite do sofrimento psicológico. São os empregos por turnos, cujos contratos duram seis meses apenas, os ordenados absurdamente baixos, os recibos verdes (com os quais não discordo, se forem para ser usados apenas por freelancers e outros profissionais liberais, nunca como um substituto de um contrato de trabalho), as rendas de casa altas, os supermercados caros, os carros inacessíveis, tudo isto embatendo contra a própria natureza das pessoas, que é ter uma vida, uma rotina, uma família, lazer, conhecimento e ócio.

Ao mesmo tempo, oiço falar de aumentos de impostos direccionados aos cidadãos referidos no parágrafo acima. Sei que Portugal incorre em incumprimento da lei europeia ao taxar o Imposto Sobre Veículos a um ponto tal que, se ninguém pode comprar um carro em território nacional, ainda menos comprá-lo num país da União Europeia e registá-lo cá. Sei que o Primeiro-Ministro é suspeito (espera, não é arguido?) num caso de corrupção brutal, e leio que se vai fazer uma sala de fumo no Parlamento, cujo custo é exorbitante, principalmente quando toda a gente vai fumar para a rua.

Vejo-me a ser ultrapassada na estrada – e com violência - por engravatados em carros de luxo. E pergunto-me: bem, se as coisas estão assim tão más, quem é que fica sem comer lá em casa para pagar a prestação do carro?

E então percebo porque é que a política é tão importante em Portugal.
Algures no tempo, o político deixou de ser alguém designado pelos seus pares para os representar e defender os seus interesses. Notem o uso das palavras “seus pares”. Um político, neste momento, é um gajo que se mete na política porque isso dá dinheiro. Dá carros, subsídios, um bom ordenado, uma progressão enorme de carreira e, no fim, uma reforma exorbitante. Os “pares” de um político não são a comunidade que o elegeu: são aqueles que, a troco de dinheiro e influência, lhe dizem o que é que ele há-de fazer por eles. No fim, ele continua a representar e a defender interesses, só que estes não são os do país, nem tão pouco os de quem realmente votou nele. São os do mais forte.
Portanto, um político é um mercenário que se vende ao preço mais alto, e que ainda usufrui do facto de trabalhar para a nação. Realmente, é capaz de ser melhor ainda do que jogar futebol.

Toda a gente o sabe, toda a gente o tem vivido, e agora toda a gente está a pagar o preço de se ter enrolado na máxima do “deixa andar”. Agora, há dois remédios: ou se vai atrás da “gente do deixa andar”, que somos todos nós, ou então vai-se atrás dos políticos que já nem sabem a quem devem ter fidelidade.

Perdeu-se o sentido de causa. Um Estado deve dar condições às pessoas para poderem receber educação, trabalhar e mais tarde, descansar. Um Estado não tem de andar com os cidadãos ao colo, mas não deve de certeza ser o inimigo a abater. E é isto que se está a passar agora mesmo em Portugal: passámos da incredulidade para a apatia; depois, da apatia para a esperança (yes we can!), e agora estamos num acordar brutal que nos está a pôr todos de muito, muito, mas mesmo muito mau humor. A culpa é do Estado? Não.
É do Governo? Não
Dos cidadãos? Também não.

É de todos os governos, que andaram a servir os interesses não da sua comunidade, mas dos “seus pares”; é dos cidadãos, que se deixaram convencer que não valiam nada e que, agora que está na altura de mostrar que não é bem assim, têm medo que seja tarde demais, ou que venham os lobos maus comê-los.

Tudo o que eu quero é ter um emprego digno, com um ordenado equivalente a esse emprego digno, ter confiança no futuro e nas pessoas que elejo para me representarem na Assembleia da República. O problema é que não tenho nada disto e as pessoas que estão nessa Assembleia da República a representar-me – dificilmente, eu não votei nelas – são as mesmas desde há 20 anos, e desde então só vejo castelos nas nuvens.

Por favor, senhores políticos: larguem os carrinhos de brincar e trabalhem para mim. É para isso que vos pago. É assim tão difícil fazer isso?

Monday, May 17, 2010

A Síndroma do Cubículo

Uma secretária, com um computador semi-obsoleto. Formando um compartimento, três paredes de contraplacado, de cor perfeitamente descolorida – será castanho, cinzento, castanho com tons de cinzento, ou simplesmente fumo? – rodeiam o “espaço de trabalho”. Há quem tente colar fotos da família, dos animais de estimação, até mesmo postais e imagens imprimidas da net de praias paradisíacas algures na Tailândia. Contudo, por mais que se empurrem pionéses, ou se ponha fita-cola, todas elas tendem a escorregar, a cair, a desaparecer...

A empresa tem uma política de “clean desk”: isso quer dizer, em duas palavras, que o teu posto de trabalho não deve conter absolutamente nada que te distraia das tuas funções, ou que o personalize. Quando picas o ponto – ou biometricamente, indicas ao “chefe” que chegaste – e te sentas na cadeira, diante da tua imaculada secretária, eu vejo um cenário distópico, em que centenas de fios, cabos e fichas se ligam ao teu corpo e, durante o tempo de expediente, te chupam até ser altura de voltares para casa. Bem-vindo ao cubículo!

É claro que esta imagem é um produto da minha imaginação, e foi apenas um estratagema para obrigar as pessoas a lerem e, quem sabe, verem a mesma coisa que eu vi enquanto escrevi estas linhas. O texto é meu, é a minha prerrogativa. Além disso, nos dias que correm, os pobres cubículos quase foram corridos dos escritórios modernos, fisicamente falando. No entanto, continuam a existir fantasmagoricamente, aprisionando os cérebros das pessoas ao trabalho monótono, repetitivo, escravizante. O que é que mudou desde os tempos feudais, em que uma família de camponeses trabalhava de sol a sol para um nobre, geração atrás de geração? Mudaram as constituições, as declarações dos direitos do homem, da mulher, da criança, menos uma coisa: o mundo interior das pessoas continua a girar à volta do trabalho, da função que desempenham. Para outrém, até que venha alguém e substitua a anterior roda dentada da maquinaria. E isto não porque a dita peça se avariou: é só porque sai mais barato.

No primeiro mês no novo trabalho – convém dizer, hoje em dia não há empregos, porque somos quase todos mal-empregados, mas trabalho temos imenso – esforçamo-nos por nos integrarmos. Queremos entender o que estamos ali a fazer, com quem o estamos a fazer, olhamos por cima do cubículo imaginário e galamos o(a) colega jeitoso(a), ouvimos falar do(a) outro(a) que é um(a) graxas, dos que trabalham, dos que fingem que trabalham, e das vidas alheias, umas mais trágicas do que outras, e que não nos dizem respeito. Mas, claro, isso faz parte do trabalho.

O “chefe”, que ninguém sabe quem é, mas que se encontra personificado em uma ou mais personagens que instilam um misto de autoridade com espírito de camaradagem, não manda: pede. Não exige: mede o que se faz através de números e de rumores. Nunca despede: faz o que o “chefe” acha melhor para manter o corpo vivo, o que pode implicar cortar um dedo. Um dedo com despesas, família, aspirações, e cuja personalidade foi, entretanto – e convenientemente, aspirada pela empresa.

Tentamos separar as águas, deixar o trabalho onde ele tem de estar, e voltar para a vida que tínhamos antes do trabalho. Tentamos compartimentalizar – cubicularizar? – os assuntos, as preocupações, as crises, os enganos, o stress, e os medos. Eventualmente, estamos a socializar com essas pessoas que, tal como nós, estão enfiadas nos cubículos fantasma, debatendo o trabalho, a falta dele, as dificuldades, os amores e os desamores, e cada vez mais alienando quem não está dentro das três paredes connosco. A figura paternal do representante do chefe vai promovendo a cubicularização, com jantares, fins-de-semana temáticos, seminários, confraternizações e afins.

No dia em que somos substituídos por uma roda dentada nova, fresca, ingénua, pronta a explorar, é o dia em que acordamos para a realidade e nos damos conta de como as paredes do cubículo cresceram tanto, mas tanto, que nos rodeiam como se estivessemos numa praça. Não conseguimos ver para além das fotos das praias paradisíacas que imaginámos que, um dia, visitariamos. As tais que caem, porque não prendem nem colam, e ameaçam esmagar-nos como toneladas de cimento. Há cabos, e fios, e fichas, todos eles espalhados pelo chão fora, e percebemos que não só nos ligavam ao trabalho, mas também aos outros que o partilhavam connosco. Contudo, eles deixaram de nos ver, ou de sequer sentir a nossa presença. Afinal, não eramos assim tão importantes...

A tristeza da Síndroma do Cubículo é que é muito mais do que isso: é um sofrimento cíclico, que se repete tantas e quantas vezes formos usados e deitados fora, como peças defeituosas de uma engrenagem, ela mesma em constante processo de decadência e destruição. Tentaremos sempre personalizar o nosso espaço, a nossa vida profissional, mesmo que as ordem sejam “trabalha ponto final”. Tentaremos sempre aprender a gostar daquela família de desalinhados que se sentam nas mesas à nossa volta, porque assim tem de ser. Porque não o escolhemos, é só porque é assim. E acabaremos sempre a falar do nosso trabalho com eles e com os que amamos, porque, no fim do dia, é praticamente tudo o que nos deixam fazer.

O que me salva, quando penso nisto, é sentir nos olhares que se levantam dos cubículos o mesmo desejo e a mesma inquietude que eu sinto. E saber que um dia há-de haver tantas rodas dentadas defeituosas, que vai ser impossível substituí-las todas. Nessa altura, os cubículos vão acabar de vez...

Dedicado ao David Ançã – levou tempo, mas eu disse-te que ia escrever sobre isto. De uma roda dentada defeituosa para outra, cumprimentos!