Friday, July 2, 2010

Repensar e Reciclar

Não sou fã de boxe. Não entendo a piada de se assistir a um dito espectáculo em que dois tipos – ou tipas – se esmurram até cairem para o lado. Sou uma pessoa sensível, e por muito que por vezes me possa apetecer bater em certas pessoas, não o faço porque não me traz nenhum benefício. Contudo, devo confessar que existe uma coisa que admiro muito no boxe: a capacidade e energia com que aqueles que vão ao tapete se levantam, e continuam a lutar. Podem lutar por um título, pela vida, pela sua honra, não interessa. Entram no ringue, levam uns murros, dão outros de volta, caem, levantam-se e continuam a lutar.


Eles sabem que vão morrer. Sabem que vão sofrer lesões irreversíveis e que vão ficar marcados para sempre. Mas levantam-se. Lutam. Esbracejam. Resmungam. E a seguir, se for preciso, abraçam crianças e choram. Tal e qual como qualquer um de nós.


Orgulho-me de viver a vida dessa forma, daí a imagem do boxeur. Orgulho-me dos erros, das cicatrizes, das vezes em que caí e parti os dentes. Orgulho-me das lágrimas, da luta, do esforço, da incerteza de saber como é que o próximo assalto vai acabar. Porquê? Porque todas as lutas implicam uma vitória, um feito, algo alcançado. Mesmo quando a vitória vem disfarçada de derrota, podemos pensar: será que realmente perdi? Ou estou a ver isto da perspectiva errada?


As pessoas que pensam fora da perspectiva aceite normalmente são as que mais vezes vão ao tapete. Isso acontece porque elas se atrevem a tentar formas de luta menos ortodoxas. Como um guerreiro que decide não lutar mais, porque isso não o vai fazer ganhar a guerra. Como uma pessoa que se cala, porque por mais que fale, as suas palavras não valem nada. Ou como um desempregado que desiste de procurar um trabalho tradicional, e decide ele mesmo criar o seu emprego.


Se formos a pensar, é graças a estas pessoas que a nossa sociedade tem avançado. É graças aos inconformistas que foram ao tapete inúmeras vezes – e que, por seu turno, se levantaram inúmeras vezes também – que existem organizações internacionais dedicadas a apoiar os mais desfavorecidos, grupos que advogam a liberdade e a tolerância, vozes que não aceitam a confusão instalada e alimentada pela prepotência. E cada vez mais precisamos deste pensamento, porque este princípio de século está a ser uma enorme confusão. Como todos os princípios de século antes deste.


Há quem nos diga que as massas são estúpidas. Que somos um bando de inúteis, e que os nossos esforços, sejam individuais ou em grupo, não valem nada. Nós, os que abdicámos da nossa voz e a demos a um grupo de terceiros eleitos por nós, vemos que ninguém fala por nós. Porque nós somos a massa inútil, estúpida, deseducada, sem mente. As multidões não têm cérebro, são apenas um grupo de pessoas que age de acordo com impulsos.


Não falamos. Não comunicamos uns com os outros, apesar de hoje em dia haver meios inimagináveis há menos de cinco anos para o fazer. Fechamo-nos, porque temos medo dos nossos vizinhos, e eles de nós. Pensamos sempre que “os outros” nos querem fazer mal. O conceito de “os outros” é o inimigo. A crítica nunca é construtiva, porque “criticar” no nosso vocabulário imaginário quer dizer “destruir”. Podemo-nos orgulhar de ter feito uma revolução sem sangue, com cravos. Contudo, que barreiras realmente deitámos abaixo, e quais foram as barreiras que em seguida erguemos, por medo?


A opção tomada por aqueles a quem demos a nossa voz, para resolver os problemas actuais, é nivelar por baixo. É fazer uma campanha em que pintam aqueles que não têm oportunidade de trabalhar como preguiçosos e gandulos. É mostrar que quem recebe apoios sociais os gasta em armas e drogas. Tal e qual como, há uns anos, quando havia uns quantos que discordavam do pagamento de propinas na universidade, se pintaram os estudantes universitários de borgas, bêbedos e abusadores dos benefícios que o Estado lhes dava.


É certo que há quem seja assim: indolente, inerte, parasita. Só que aquilo que eles não mostram são as pessoas cumpridoras, trabalhadoras, competentes, que não passam de um contrato de trabalho porque sai mais barato à empresa mandá-las embora e meter outra no seu lugar. Nunca mostraram os estudantes comuns, que iam às aulas e que não usufruiram do dinheiro que pagaram de propinas, porque este simplesmente não foi usado em meios para que melhorassem as suas condições de estudo. Se um indíviduo fica deprimido, seja porque está desempregado, em situações de trabalho precário (ou seja, de seis em seis meses num trabalho temporário e inútil), ou porque se sente frustrado porque não consegue atingir o seu potencial enquanto aluno, é visto imediatamente como um preguiçoso. Consigo ouvir as vozes das pessoas: “Vai trabalhar, gandulo! Vai estudar, cábulas!”.


Demos a nossa voz a terceiros. Contudo, conseguimos ouvir as vozes de outros que, tal como nós, as deram também através de votos em políticos, mas que aparementemente sabem mais. Sabem que quebrar o espírito dos “outros” valida a sua mediocridade. Sabem que menosprezar o esforço garante o status quo. Sabem que, enquanto “os outros” se sentirem e forem menos que eles, o seu ego está assegurado. São os reis do pedaço.


Essas pessoas deviam perder a cidadania portuguesa e serem deportados para uma plataforma petrolífera abandonada no meio do Oceano Atlântico, e deixados lá para se matarem uns aos outros. Essas pessoas deviam ser abafadas com um lenço na boca e deviam morrer à fome por causa disso. Essas pessoas são a vergonha da nossa sociedade, e sim elas é que deviam pagar o preço social do desemprego, e da necessidade de haver apoios sociais. Essas pessoas são todos nós, em partes maiores ou menores.


Tenho o direito de me sentir pouco confiante, mas não tenho em absoluto o direito de tirar a confiança de ninguém. Tenho o direito de duvidar de mim, e de duvidar daqueles que gerem o País por mim, mas não tenho o direito de semear a dúvida nos meus semelhantes, se acreditam na sua missão. Tenho o direito de escolher dar um passo atrás, para poder dar dois à frente; não tenho o direito de impedir que outros andem.


Um dia, e quero realmente acreditar que esse dia chegue mesmo, a massa não vai ser estúpida nem sem mente. Um dia, a massa vai ser culta, inteligente, vai saber bem o que quer e vai entregar um manifesto de vontade, em que a humanidade vale mais do que o dinheiro que toda a gente quer ter, e que não tem porque não pode. Quem sabe, um dia, o dinheiro não valha nada, e valham as intenções realizadas.


E quero realmente acreditar que não vai ser um triunfo dos porcos. Porque se é para isso, saio já na próxima paragem deste comboio maluco a que chamamos vida.

Friday, May 21, 2010

Causas, Política & Pensamentos Comuns

Sempre me fez confusão a importância que se dá à política em Portugal. Ele é debates, blogues, artigos de opinião, aberturas de telejornais, debates sobre debates, manchetes de jornais... A coisa, a meu ver, é de tal ordem que, a determinada altura, até o futebol começou a imitar o procedimento, provavelmente para ver se o desporto conseguia a mesma importância.

Quando estava no estrangeiro – por temporadas mais longas do que seis meses – ao observar a imprensa local, nem sempre a notícia estava apenas no político. Claro que, como jornalista, é evidente que consigo reconhecer que o que se faz e se diz em termos da gestão de um país é sempre o mais importante. Contudo, da forma absorvente e exaustiva como se “esmuiça” a política portuguesa, era quase como deitar os intervenientes num divã de psicanalista e perguntar-lhes que conflitos interiores tinham com os pais – provavelmente, políticos também.

Afastei-me desse mundo e, como jornalista, optei por me dedicar a temas menos focados nos media: arte, música, cultura, viagens, e outras coisas por aí fora. Evidentemente, enquanto jornalista alienada da massificação da informação política, fiquei à margem e, obviamente, desempregada. Mas, quando voltei de Espanha e comecei a tecer paralelos entre ambas as sociedades, apercebi-me de que tinha surgido um enorme interesse em política espanhola, e portanto, estava na altura de entender a política do meu país. Se, enquanto imigrante, quis saber quem é que geria os meus interesses, então melhor ainda entender o que se faz no meu país de tão atroz que me levou a querer sair sempre.

Por causalidades, nunca votei. Ou não estava recenseada como deve ser (obrigado, funcionárias da Junta de Freguesia, cujo trabalho fizeram tão bem que me deram os papéis TODOS para levar para casa, inclusivé os do RECENSEAMENTO que eram para ENTREGAR!), ou então estava fora do país em altura de eleições. Na verdade, votei nas presidenciais nas quais o Jorge Sampaio foi re-eleito, mas não votei nele... Isto para dizer que não votaria, jamais, de boa consciência, no Sócrates. Nem vou falar da pessoa, porque não o conheço – embora os mexericos do escritório dele se saibam em todo o lado. Aliás, nem me vou dar ao trabalho de falar nem de políticos nem de partidos. Vou só falar daquilo que sei, oiço, vejo e percebo, enquanto cidadã.

Vejo muita gente a chegar ao limite do sofrimento psicológico. São os empregos por turnos, cujos contratos duram seis meses apenas, os ordenados absurdamente baixos, os recibos verdes (com os quais não discordo, se forem para ser usados apenas por freelancers e outros profissionais liberais, nunca como um substituto de um contrato de trabalho), as rendas de casa altas, os supermercados caros, os carros inacessíveis, tudo isto embatendo contra a própria natureza das pessoas, que é ter uma vida, uma rotina, uma família, lazer, conhecimento e ócio.

Ao mesmo tempo, oiço falar de aumentos de impostos direccionados aos cidadãos referidos no parágrafo acima. Sei que Portugal incorre em incumprimento da lei europeia ao taxar o Imposto Sobre Veículos a um ponto tal que, se ninguém pode comprar um carro em território nacional, ainda menos comprá-lo num país da União Europeia e registá-lo cá. Sei que o Primeiro-Ministro é suspeito (espera, não é arguido?) num caso de corrupção brutal, e leio que se vai fazer uma sala de fumo no Parlamento, cujo custo é exorbitante, principalmente quando toda a gente vai fumar para a rua.

Vejo-me a ser ultrapassada na estrada – e com violência - por engravatados em carros de luxo. E pergunto-me: bem, se as coisas estão assim tão más, quem é que fica sem comer lá em casa para pagar a prestação do carro?

E então percebo porque é que a política é tão importante em Portugal.
Algures no tempo, o político deixou de ser alguém designado pelos seus pares para os representar e defender os seus interesses. Notem o uso das palavras “seus pares”. Um político, neste momento, é um gajo que se mete na política porque isso dá dinheiro. Dá carros, subsídios, um bom ordenado, uma progressão enorme de carreira e, no fim, uma reforma exorbitante. Os “pares” de um político não são a comunidade que o elegeu: são aqueles que, a troco de dinheiro e influência, lhe dizem o que é que ele há-de fazer por eles. No fim, ele continua a representar e a defender interesses, só que estes não são os do país, nem tão pouco os de quem realmente votou nele. São os do mais forte.
Portanto, um político é um mercenário que se vende ao preço mais alto, e que ainda usufrui do facto de trabalhar para a nação. Realmente, é capaz de ser melhor ainda do que jogar futebol.

Toda a gente o sabe, toda a gente o tem vivido, e agora toda a gente está a pagar o preço de se ter enrolado na máxima do “deixa andar”. Agora, há dois remédios: ou se vai atrás da “gente do deixa andar”, que somos todos nós, ou então vai-se atrás dos políticos que já nem sabem a quem devem ter fidelidade.

Perdeu-se o sentido de causa. Um Estado deve dar condições às pessoas para poderem receber educação, trabalhar e mais tarde, descansar. Um Estado não tem de andar com os cidadãos ao colo, mas não deve de certeza ser o inimigo a abater. E é isto que se está a passar agora mesmo em Portugal: passámos da incredulidade para a apatia; depois, da apatia para a esperança (yes we can!), e agora estamos num acordar brutal que nos está a pôr todos de muito, muito, mas mesmo muito mau humor. A culpa é do Estado? Não.
É do Governo? Não
Dos cidadãos? Também não.

É de todos os governos, que andaram a servir os interesses não da sua comunidade, mas dos “seus pares”; é dos cidadãos, que se deixaram convencer que não valiam nada e que, agora que está na altura de mostrar que não é bem assim, têm medo que seja tarde demais, ou que venham os lobos maus comê-los.

Tudo o que eu quero é ter um emprego digno, com um ordenado equivalente a esse emprego digno, ter confiança no futuro e nas pessoas que elejo para me representarem na Assembleia da República. O problema é que não tenho nada disto e as pessoas que estão nessa Assembleia da República a representar-me – dificilmente, eu não votei nelas – são as mesmas desde há 20 anos, e desde então só vejo castelos nas nuvens.

Por favor, senhores políticos: larguem os carrinhos de brincar e trabalhem para mim. É para isso que vos pago. É assim tão difícil fazer isso?

Monday, May 17, 2010

A Síndroma do Cubículo

Uma secretária, com um computador semi-obsoleto. Formando um compartimento, três paredes de contraplacado, de cor perfeitamente descolorida – será castanho, cinzento, castanho com tons de cinzento, ou simplesmente fumo? – rodeiam o “espaço de trabalho”. Há quem tente colar fotos da família, dos animais de estimação, até mesmo postais e imagens imprimidas da net de praias paradisíacas algures na Tailândia. Contudo, por mais que se empurrem pionéses, ou se ponha fita-cola, todas elas tendem a escorregar, a cair, a desaparecer...

A empresa tem uma política de “clean desk”: isso quer dizer, em duas palavras, que o teu posto de trabalho não deve conter absolutamente nada que te distraia das tuas funções, ou que o personalize. Quando picas o ponto – ou biometricamente, indicas ao “chefe” que chegaste – e te sentas na cadeira, diante da tua imaculada secretária, eu vejo um cenário distópico, em que centenas de fios, cabos e fichas se ligam ao teu corpo e, durante o tempo de expediente, te chupam até ser altura de voltares para casa. Bem-vindo ao cubículo!

É claro que esta imagem é um produto da minha imaginação, e foi apenas um estratagema para obrigar as pessoas a lerem e, quem sabe, verem a mesma coisa que eu vi enquanto escrevi estas linhas. O texto é meu, é a minha prerrogativa. Além disso, nos dias que correm, os pobres cubículos quase foram corridos dos escritórios modernos, fisicamente falando. No entanto, continuam a existir fantasmagoricamente, aprisionando os cérebros das pessoas ao trabalho monótono, repetitivo, escravizante. O que é que mudou desde os tempos feudais, em que uma família de camponeses trabalhava de sol a sol para um nobre, geração atrás de geração? Mudaram as constituições, as declarações dos direitos do homem, da mulher, da criança, menos uma coisa: o mundo interior das pessoas continua a girar à volta do trabalho, da função que desempenham. Para outrém, até que venha alguém e substitua a anterior roda dentada da maquinaria. E isto não porque a dita peça se avariou: é só porque sai mais barato.

No primeiro mês no novo trabalho – convém dizer, hoje em dia não há empregos, porque somos quase todos mal-empregados, mas trabalho temos imenso – esforçamo-nos por nos integrarmos. Queremos entender o que estamos ali a fazer, com quem o estamos a fazer, olhamos por cima do cubículo imaginário e galamos o(a) colega jeitoso(a), ouvimos falar do(a) outro(a) que é um(a) graxas, dos que trabalham, dos que fingem que trabalham, e das vidas alheias, umas mais trágicas do que outras, e que não nos dizem respeito. Mas, claro, isso faz parte do trabalho.

O “chefe”, que ninguém sabe quem é, mas que se encontra personificado em uma ou mais personagens que instilam um misto de autoridade com espírito de camaradagem, não manda: pede. Não exige: mede o que se faz através de números e de rumores. Nunca despede: faz o que o “chefe” acha melhor para manter o corpo vivo, o que pode implicar cortar um dedo. Um dedo com despesas, família, aspirações, e cuja personalidade foi, entretanto – e convenientemente, aspirada pela empresa.

Tentamos separar as águas, deixar o trabalho onde ele tem de estar, e voltar para a vida que tínhamos antes do trabalho. Tentamos compartimentalizar – cubicularizar? – os assuntos, as preocupações, as crises, os enganos, o stress, e os medos. Eventualmente, estamos a socializar com essas pessoas que, tal como nós, estão enfiadas nos cubículos fantasma, debatendo o trabalho, a falta dele, as dificuldades, os amores e os desamores, e cada vez mais alienando quem não está dentro das três paredes connosco. A figura paternal do representante do chefe vai promovendo a cubicularização, com jantares, fins-de-semana temáticos, seminários, confraternizações e afins.

No dia em que somos substituídos por uma roda dentada nova, fresca, ingénua, pronta a explorar, é o dia em que acordamos para a realidade e nos damos conta de como as paredes do cubículo cresceram tanto, mas tanto, que nos rodeiam como se estivessemos numa praça. Não conseguimos ver para além das fotos das praias paradisíacas que imaginámos que, um dia, visitariamos. As tais que caem, porque não prendem nem colam, e ameaçam esmagar-nos como toneladas de cimento. Há cabos, e fios, e fichas, todos eles espalhados pelo chão fora, e percebemos que não só nos ligavam ao trabalho, mas também aos outros que o partilhavam connosco. Contudo, eles deixaram de nos ver, ou de sequer sentir a nossa presença. Afinal, não eramos assim tão importantes...

A tristeza da Síndroma do Cubículo é que é muito mais do que isso: é um sofrimento cíclico, que se repete tantas e quantas vezes formos usados e deitados fora, como peças defeituosas de uma engrenagem, ela mesma em constante processo de decadência e destruição. Tentaremos sempre personalizar o nosso espaço, a nossa vida profissional, mesmo que as ordem sejam “trabalha ponto final”. Tentaremos sempre aprender a gostar daquela família de desalinhados que se sentam nas mesas à nossa volta, porque assim tem de ser. Porque não o escolhemos, é só porque é assim. E acabaremos sempre a falar do nosso trabalho com eles e com os que amamos, porque, no fim do dia, é praticamente tudo o que nos deixam fazer.

O que me salva, quando penso nisto, é sentir nos olhares que se levantam dos cubículos o mesmo desejo e a mesma inquietude que eu sinto. E saber que um dia há-de haver tantas rodas dentadas defeituosas, que vai ser impossível substituí-las todas. Nessa altura, os cubículos vão acabar de vez...

Dedicado ao David Ançã – levou tempo, mas eu disse-te que ia escrever sobre isto. De uma roda dentada defeituosa para outra, cumprimentos!

Monday, February 15, 2010

Sem título IV

Amor,

hoje é o dia em que te deixo ir.
Se te aperto demasiado, não consegues respirar. Se não te aperto, foges. Eu sei o que isso quer dizer: não queres estar comigo, por isso... és livre.

É das coisas mais difíceis de fazer neste mundo, sabes? O deixar o amor ir. Tu sabes, e eu sei. Mas há alturas em que outras coisas há que falam mais alto. Uma delas é a nossa auto-preservação. Não posso amar quem não quer amar-me de volta. Não posso esperar que, um dia, tu me queiras. A vida não se compadece da espera: o tempo passa, envelhecemos, conhecemos pessoas, rimo-nos, choramos, crescemos... e um dia, as coisas mudaram.

É essa a parte que mais me dói: saber que deixando o amor partir, a vida vai continuar. Um dia, não vou estar aqui, e tu não vais estar aí. Teremos seguido os nossos destinos, para longe. Mesmo que nos voltemos a encontrar, tu e eu, seremos pessoas diferentes.

Tenho convulsões. Não quero que o tempo passe, não quero que as coisas mudem. Só que eu não posso fazer nada mais do que aquilo que já fiz. Tentei amar-te, tentei ser tua amiga, tentei fazer de conta que não estava triste, tudo para que tu não ficasses triste também. E fiquei cansada. Tenho de deixar o amor ir-se embora, para um dia poder voltar a amar.

Nem tenho mais palavras para te dizer. Não sei o que dizer, a não ser olhar para ti como se estivesses longe. E desejar que houvesse um feitiço que me fizesse esquecer que te conheci, para poder ser feliz na ignorância.


Tenho de te deixar ir, amor.

Sunday, February 14, 2010

Sem título III

sometimes, we put life on hold
waiting for better days
when the truth is
better days are made by you and i
why are you on hold, then?

Tuesday, January 19, 2010

Três noivos para Carolina

Carolina entra na carruagem do metro, e senta-se no primeiro lugar vago que encontra. São sete da tarde, e ela tira os auscultadores da mala. Liga o leitor de música, e olha para o nada, enquanto o metro começa a sua marcha em direcção à Avenida de Roma.

O que é que ela tem de especial? Absolutamente nada.
É uma rapariga com quase trinta anos, morena, de olhos castanhos, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra. Não é excepcionalmente extravagante na forma de vestir: umas saias aqui, um chapéu acolá, um colar e uns brincos, algumas cores berrantes, outras menos... Não é rica, mas também não é pobre (pensa: desde que tenha dinheiro para comer e ir ao cinema...)e não tem um emprego fabuloso, mas também não demasiado chato (secretária de um professor universitário que passa a maior parte do tempo a viajar, estilo Indiana Jones). Carolina quer o mesmo que toda a gente: que o céu não lhe caia em cima da cabeça.

Mas, como toda a gente, ela tem algo de excepcional, algo que leva a que se escreva sobre ela como se fosse a heroína de um grande romance, digno de vencer o Prémio Nobel. E, quando ela pensa no que a torna única, ela ri-se para dentro, soma e segue.

Carolina tem três namorados. Não um, nem dois – três.

Pedro é modelo. De acordo com a profissão que tem, é um deus grego, moreno, de olhos verdes penetrantes, sempre pronto para entrar nas vidas das pessoas numa imagem sensual dele mesmo. Pedro pode – e tem – toda e qualquer mulher que ele queira. No entanto, para ele, não há nenhuma mulher como aquela miúda de nariz empinado, meias pelo joelho e sardas. Carolina.

Joaquim é um homem muito entrado nos seus quarenta anos, um bocado gordo, mas cheio de energia e de uma presença magnética. Extremamente inteligente, gere uma carreira feita de actividades variadas, mas não tem amigos. Excepto aquela mulher que o mete no lugar e não o leva a sério. Carolina.

Jorge é o pobre dos três. Anda em busca de um rumo, e salta de trabalho precário em trabalho precário. É aquele tipo de pessoa em quem ninguém repara, mas quando se dá conta de que ele está lá, nunca mais se esquece. Tem um sentido de humor incrível, só que também mergulha em crises de melancolia, tão depressa como arranca uma gargalhada. E como ele gosta das gargalhadas de Carolina...

O que é que estes três homens têm em comum, para além de estarem ligados à mesma pessoa? A incapacidade de se comprometerem.
Carolina diz que isso não lhe importa, porque ela sabe que jamais vai conseguir encontrar alguém que goste verdadeiramente dela e que esteja disposto a estar com ela para sempre. Assim, tem um homem em três, e diz que nunca se aborrece.