Friday, April 1, 2011

Os dias 1 de Abril do ano

Tenho andado à volta com a mentira.

Numa esfera pessoal, há pouco tempo, houve uma pessoa que eu amava muito que me mentiu de forma imperdoável. O impacto da(s) mentira(s) dessa pessoa tem sido avassalador, abriu-me os olhos para a necessidade de crescer e de me distanciar desses actos injustos para com os outros e para connosco mesmos. Ao mentirem-me, decidi que não quero voltar a mentir a mim própria, mesmo que isso me custe uma felicidade momentânea. Acho que não preciso disso para sentir que os que estão fora de mim gostem de mim... A mentira dessa pessoa levou-me a redefinir parâmetros na minha vida. Estou num processo de auto-conhecimento, de fortalecimento pessoal, espiritual, social e profissional, com o objectivo de não me deixar amargar pelas circunstâncias. Tudo isto para que, um dia, eu possa ser realmente feliz, independentemente do que possa acontecer.


Ao mesmo tempo, enquanto cidadã de um país dito 'desenvolvido', sou vítima de mentiras ditas e escritas por aqueles que os outros elegeram para gerir Portugal. Digo 'os outros' porque eu nem sequer estava no país quando decorreram eleições, e quando estava, não votei em quem a dita maioria votou.

Não são os mercados financeiros que regem a minha vida; são os valores humanos dos quais eles carecem. Eu não sirvo a economia; ela deveria servir-me a mim, desde que eu cumpra com as minhas funções neste formigueiro gigante. Os governantes da nação foram eleitos por mim para governar em prol da justiça e do bem comum; não foram eleitos para se governarem a eles mesmos em detrimento das vidas dos outros. Não é o Facebook que define quem são as pessoas de quem gosto; eu ligo-me às pessoas de quem gosto através do Facebook.


Hoje, que é dia 1 de Abril de 2011, fala-se e escreve-se sobre a mentira. Os media brincam com o dia, como é tradicional, publicando notícias falsas. Toda a gente manda uma peta para assinalar a efeméride. Só que, este ano, o dia 1 de Abril reveste-se de características muito particulares, porque parece ser o único dia de todos os destes último dois anos (pelo menos!) em que somos, de facto, confrontados com a verdade. A estupidez disto tudo, para mim, é que eu só me apercebi disso justamente enquanto postava um status no Facebook sobre a mentira e o que isso quer dizer. Por causa disso, está a sair este texto.


Foi para isto que nascemos? Para viver num tempo em que, num dia das mentiras qualquer, percebessemos que este é provavelmente o único dia do ano em que dizemos a verdade, porque durante o resto do tempo, mentimos a toda a gente e a nós mesmos? É suposto assumir imediatamente que o meu interlocutor está a mentir com quantos dentes tem na boca, e que me detesta, em vez do contrário? É suposto começar o dia preparada para o pior, quando pode ser que este seja o melhor dia da minha existência, ou pelo menos, um dos bons dias?


Tudo o que está a acontecer, a forma como nos tornámos acéfalos, acomodados, apegados, mimados, mentirosos, negativos, tudo isto é um sintoma. Não merecemos a desgraça, mas somos parte dela. Quando acordamos, e a primeira coisa que pensamos é 'Eu não mereço...' ou 'Eu não sou especial...', estamos a tomar parte nela. Quando aceitamos a mentira, porque todos os dias são dia 1 de Abril, estamos a criar uma vida de ilusões que se vai desmoronar. E desejamos tanto que isso não aconteça! Contudo, as ilusões são muito diferentes dos sonhos: é que podemos fazer algo para tornar os nossos sonhos realidade, enquanto que ao estarmos imersos nas ilusões, cremos que elas são reais. E não são.


E não mentimos todos os dias? Não nos esquecemos de quem somos? Somos filhos, amigos, pais, irmãos, namorados, namoradas, trabalhadores, cidadãos, profissionais, 'porreiros e fixes', mas não somos humanos. Assumimos a mentira primordial: somos papéis, não somos seres.

Não admira que mintamos tanto e tão facilmente assumamos os nossos medos e receios como conchas onde nos escondermos para nos protegermos dos outros e da nossa própria felicidade. Começa no indivíduo e acaba no colectivo: se o meu princípio parte de mentir desde logo para que me respeitem, vou-me afundando cada vez mais na mentira para, no final, estar sozinha, a governar-me a mim mesma. É esse o princípio do desgoverno... o pessoal e o geral.


A título pessoal, estou a banir a mentira. A perceber onde é que eu começo para aceitar que eu não termino nunca. Estou a aprender a perdoar, para que um dia consiga não assumir o pior dos outros. E a aceitar que os sonhos podem ser reais, e que quero trabalhar para os tornar realidade.


Quero que o dia 1 de Abril dos próximos anos seja apenas um dia engraçado por ano, e não que todos os dias sejam dia 1 de Abril.